Após negativa do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), a Novo Nordisk acionou no final de abril o Superior Tribunal de Justiça (STJ) para reverter decisão judicial e estender o direito da patente do Ozempic no Brasil em até 12 anos. Para a empresa dinamarquesa, houve uma demora na análise do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que reduziu o tempo de exploração da exclusividade dos remédios em 13 anos. Em contrapartida, entidades de representação do setor de genéricos sustentam que a prorrogação da propriedade intelectual para além do prazo de 20 anos já foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e, caso concedida, poderá encarecer os tratamentos à população.
Ao analisar o caso, o TRF1 negou o pleito da farmacêutica, destacando a decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5529, que definiu a impossibilidade de extensão do prazo de 20 anos da exclusividade patentária. De acordo com a decisão, o prazo fixado pela Lei da Propriedade Industrial garante a exclusividade apenas no prazo de 20 anos, incluindo o tempo de análise da patente junto ao INPI.
Por sua vez, a Novo Nordisk defende que a jurisprudência do STF, apesar de fixar o prazo máximo de 20 anos, reafirmou a necessidade de um prazo razoável para a análise administrativa da tecnologia industrial. A empresa também destaca que a decisão do STF não leva em consideração as particularidades de cada patente e não proibiria um ajuste de prazo de vigência de patente nos casos de demora desproporcional e injustificada do INPI. A farmacêutica pontua que a fundamentação do acórdão reafirma a necessidade de um prazo razoável para a análise administrativa. Para a empresa, o ajuste no prazo da patente deve compensar os atrasos no tempo de aprovação e os prejuízos aos investimentos da empresa na tecnologia.
Em agosto de 2021, a maioria do plenário do STF definiu que o prazo de exploração da patente deve ser fixado em até 20 anos, independentemente do tempo de análise do INPI. Na ocasião, a Corte julgava a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei 9.279/96, que permitia que “o prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior”.
Por maioria, os ministros do STF entenderam que o texto afrontava a previsão constitucional que estabelece um limite temporal para a vigência das patentes. O ministro Dias Toffoli, relator do caso, considerou que, ao buscar compensar possíveis atrasos na análise administrativa do INPI, o parágrafo único feria preceito constitucional ao possibilitar um prazo indefinido para a vigência da patente. “Quanto maior o prazo de exclusividade usufruído pelo titular da patente farmacêutica, mais será onerado o poder público e a sociedade, considerando-se a necessidade de aquisição de medicamentos em larga escala para a execução de políticas públicas em saúde”, afirmou o relator.
A Novo Nordisk ajuizou a ação pedindo a extensão da patente da semaglutida em aplicação (Ozempic®) e em comprimido (Rybelsus®) em dezembro de 2021, alegando que o tempo do processo de exame e concessão da exclusividade da patente durou mais da metade do tempo de exclusividade da tecnologia, 13 dos 20 anos previstos pela legislação.
“A lei de patentes brasileira prevê 20 anos de proteção de patente, que é o padrão global, mas a exclusividade surge apenas com a concessão da patente. Desta forma, quanto mais o INPI demora, mais próxima de sua expiração a patente é concedida. Destaque-se que dos 20 anos de exclusividade prescritos na lei, a Novo Nordisk usufruirá, de fato, de apenas 7 anos – considerando que o processo de exame e concessão da patente de semaglutida no Brasil levou 13 anos”, declarou a farmacêutica.
Segundo a empresa, o tempo médio de análise da concessão gera uma imprevisibilidade quanto ao início das atividades comerciais das empresas, impactando negativamente a indústria de saúde e farmacêutica, que depende da proteção patentária para recompensar esforços e investimentos em inovação de novos produtos. A Novo Nordisk defende que a extensão do tempo de patente ajuda a compensar atrasos do INPI e cria maior segurança jurídica para as empresas que buscam desenvolver novos medicamentos no Brasil.
“O que empresas de inovação em saúde em geral, como a Novo Nordisk, e outros setores inovadores do país (como o de biotecnologia, o agronegócio e as telecomunicações) defendem é que o Brasil disponha de mecanismos sólidos de segurança jurídica, que permitam aos titulares de patentes usufruírem do seu direito de exploração exclusivo assegurado por lei, em sua eficácia plena, por prazo razoável, isto é, que não sejam penalizados pela demora excessiva e injustificada do INPI na análise e concessão formal das patentes”, afirmou a empresa em posicionamento.
Ao analisar a ação, a desembargadora federal Daniele Maranhão, relatora do caso, considerou que a interpretação do STF foi restritiva, no sentido de impedir a prorrogação do direito patentário para além dos 20 anos. Em seu voto, a relatora pontua que a decisão chegou a ser reafirmada pelo ministro Dias Toffoli na Reclamação Constitucional 53181, que cassou a decisão de um desembargador federal que restabelecia a patente até a apuração de demora injustificada do INPI em análise administrativa. A decisão do ministro considerou que a extensão do privilégio temporário da patente vai de encontro ao que foi estabelecido pelo STF na ADI 5529.
“A permanência do direito de explorar exclusivamente o invento por prazo superior ao previsto no caput do art. 40 acarreta a impossibilidade de outras concorrentes se utilizarem do invento, logo, permite que o inventor fixe o preço dos produtos de acordo com a sua conveniência, já que detém o direito de exclusividade quanto à exploração do produto; não propiciando a redução de preços pela competição de mercado, prejudicando o ganho de qualidade e, consequentemente, obstaculizando a acessibilidade dos produtos, principalmente para a classe mais necessitada”, destacou.
Segundo a magistrada, embora não se possa prejudicar as empresas pela demora do INPI, a sociedade também não pode responder pelos problemas estruturais do órgão, uma vez que o interesse privado em recuperar investimentos não pode se sobrepor ao interesse social de oferta de produtos a preços mais acessíveis.
“Em sendo assim, sob qualquer prisma que pudesse a pretensão vir calcada, tem-se que não há elementos suficientes para amparar o acolhimento dos pedidos de prorrogação, notadamente pela necessidade de se resguardar o direito à saúde, conforme delineamentos expostos”, pontuou.
Na ação, algumas entidades da indústria de medicamentos genéricos figuram como amicus curiae. É o caso da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (ABIFINA), que se posiciona contra a extensão do prazo das patentes da Novo Nordisk. Segundo o presidente da entidade, Andrey Vilas Boas de Freitas, a extensão do prazo da patente do Ozempic e do Rybelsus pode comprometer o investimento de empresas nacionais que pretendem explorar a tecnologia. “Não é possível imaginar que seja razoável uma proteção patentária que vá para além de 20 anos. Esse tipo de extensão artificial cria imprevisibilidade e prejudica o ambiente de negócios no Brasil”, afirmou.
Nesse mesmo sentido, o presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (PróGenéricos), que também atuou como amicus curiae, sustenta que uma possível extensão do prazo da patente compromete a segurança jurídica e posterga a entrada dos medicamentos genéricos no mercado brasileiro, tornando os tratamentos menos acessíveis.
“O INPI tem demonstrado avanços consistentes na redução de prazos, com concessões em média entre 2 e 4 anos — compatíveis com os padrões internacionais. Questionar a atuação do órgão para justificar a prorrogação de patentes é uma estratégia que, além de desproporcional, transfere os custos da inovação para a sociedade. Cada ano adicional de exclusividade significa tratamentos mais caros e menor acesso, sobretudo para os que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS)”, destacou.
A ação tramita no AResp 2909575 / DF sob a relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti.
Fonte: JOTA. Leia matéria completa.