O Código de Defesa do Consumidor (CDC) não se aplica aos serviços de saúde prestados pelo SUS. Ainda assim, é possível determinar a inversão do ônus da prova em desfavor do ente público, com base na hipossuficiência técnica do paciente.
Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve a obrigação do estado do Amazonas de comprovar que não houve erro médico alegado pela autora de uma ação de indenização.
A inversão do ônus da prova foi feita pelo Tribunal de Justiça do Amazonas, que aplicou o artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor.
Em regra, quem ajuíza a ação deve provar aquilo que alega. Com a inversão do ônus da prova, é o fornecedor do serviço que deve fazer a comprovação de que não houve falha ou defeito no caso concreto.
Ao STJ, o estado do Amazonas sustentou a inaplicabilidade da legislação consumerista, pois não há remuneração direta na prestação de serviço público de saúde.
Por unanimidade de votos, a 2ª Turma do STJ deu razão ao recorrente, mas decidiu manter a inversão do ônus da prova com base na hipossuficiência da autora da razão.
Relator, o ministro Marco Aurélio Bellizze apontou que o CDC reconhece a responsabilidade dos órgãos públicos pela qualidade dos serviços prestados e o fato de que eles têm de responder por eventuais falhas.
No entanto, o mesmo código diz que, para atrair a legislação consumerista, é preciso que o serviço seja oferecido no mercado de consumo, o que implica em remuneração, ainda que indireta.
Ele rejeitou a ideia de que isso levaria todos os serviços públicos a se submeterem ao CDC, já que nenhum é gratuito, sendo financiados pelos cidadãos por meio do recolhimento de impostos.
Em vez disso, propôs a distinção entre os serviços públicos passíveis de serem regidos pelo CDC e aqueles que se subordinam exclusivamente ao Direito Administrativo. Assim, só vale o CDC quando o usuário do serviço público faz a aquisição remunerada, individual e de forma mensurável.
“Consequentemente, afasta-se a aplicação do CDC naqueles casos em que a prestação do serviço público é financiada pelo esforço geral e colocados à disposição de toda a coletividade indistintamente”, disse o ministro Bellizze.
Seu voto ainda citou precedente da 3ª Turma do STJ, que afastou a incidência do CDC em caso de hospital particular custeado pelo SUS, adotando a mesma lógica.
Apesar de não incidir o CDC no caso concreto, ainda assim a inversão do ônus da prova foi mantida pela 2ª Turma do STJ.
Isso porque o Código de Processo Civil previu possibilidade de distribuição dinâmica do ônus da prova para a preservação do direito da parte que teria uma dificuldade na produção da evidência.
Esse é o caso das ações por erro médico, que exigem avaliação subjetiva da situação, norteada por aspecto demasiadamente técnico dos procedimentos de saúde.
“Dessa maneira, não há dúvidas de que todos os envolvidos no processo devem contribuir ativamente para a carga probatória, cooperando para a produção das provas”, defendeu o ministro Bellizze.
“Contudo, ao se constatar a ausência de conhecimentos específicos por parte dos pacientes, sobretudo nos casos em que a situação socioeconômica do paciente é desvantajosa, pode-se vislumbrar com maior facilidade a sua hipossuficiência técnica capaz de justificar a redistribuição do ônus da prova.”
Ele ainda ponderou que o simples fato de o serviço de saúde ser prestado pelo SUS não implica, necessariamente, a redistribuição do ônus da prova. É preciso que a análise seja feita caso a caso, disse o ministro.
REsp 2.161.702
Fonte: CONJUR. Leia matéria completa.